quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Transtorno Artístico Compulsivo - Yayoi Kusama

Yayoi Kusama e o Transtorno Artístico Compulsivo

Artista japonesa que vive numa instituição psiquiátrica

Da retrospectiva no Rio de janeiro


Falos. Kusama no jardim de bolinhas vermelhas
Foto: Divulgação
Falos. Kusama no jardim de bolinhas vermelhas - Divulgação


Loucura e arte não caminham necessariamente juntas. Mas, em determinadas circunstâncias, transtornos mentais podem abrir caminhos inusitados para a criatividade. É o caso da japonesa Yayoi Kusama, de 86 anos. Considerada um dos maiores nomes da arte contemporânea e também um ícone da moda, ela vive há mais de 30 anos, por iniciativa própria, numa instituição psiquiátrica em Tóquio.
A Princesa das Bolinhas, como é conhecida, transpõe para telas, roupas, vídeos, esculturas e até para corpos nus as formas e cores psicodélicas que enxerga em suas alucinações; sobretudo, claro, bolinhas. A artista ganhou sua primeira exposição individual em solo brasileiro  no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em 2013, na retrospectiva “Obsessão infinita”.

Kusama sofre de transtorno obsessivo compulsivo e alucinações desde a infância. Ela nasceu em Matsumoto, no Japão, em uma família de classe média tradicional e, segundo a artista conta, bastante repressora. Desde cedo, os transtornos mentais da menina se traduziram em arte e na criação de uma identidade visual bem peculiar — uma de suas marcas registradas até hoje. Sua mãe chegava a destruir seus desenhos, mas foram eles que a fizeram escapar do suicídio.

— Por sorte, quando eu ainda era muito jovem, fui a um psiquiatra que entendia de arte. Desde então, eu luto contra a minha doença; embora, no meu caso, a cura estivesse em criar arte baseada na doença. Desenvolver minha criatividade foi a minha cura — explica a artista, em entrevista ao GLOBO por e-mail.

Para um dos curadores da mostra, o canadense Philip Larratt-Smith, os diversos sintomas e manifestações da doença mental de Kusama encontram equivalentes simbólicos em sua arte:
— De uma maneira muito clara, e muito pura, ela encarna o mito do poeta doente; da ideia de que o artista faz o seu trabalho a partir do sofrimento e do trauma. A linha entre sua vida e sua arte é muito fluida e, algumas vezes, desaparece totalmente.

A produção artística ajudou Kusama a canalizar suas ideias e manter-se viva. Já no fim dos anos 1950, ela começou a trabalhar em uma de suas mais celebradas séries, “Infinity net” (“Rede infinita”), que pode ser vista na exposição.

— Por causa da guerra, eu tive que passar a minha juventude na escuridão de um Japão militarista — conta a artista. — Isso fez com que eu buscasse um lugar mais amplo, um mundo exterior em que pudesse me expressar. Então, fui para os Estados Unidos.

Kusama chegou a Nova York em 1957, e lá entrou em contato com artistas como Donald Judd, Joseph Cornell e Andy Warhol. Foi na cidade americana onde ela começou a fazer peformances, em que pessoas nuas eram cobertas com suas indefectíveis bolinhas, numa espécie de celebração do amor livre.

— De certa forma, Kusama e Warhol eram líderes em campos rivais — resume Larratt-Smith. — Cortejavam a publicidade e criaram personas midiáticas fascinantes para promover suas obras. Ambos experimentavam com a criatividade coletiva: Warhol tinha a Factory; Kusama tinha suas orgias e performances.

Ainda assim, foi somente há dois anos que o trabalho dela ganhou suas primeiras grandes exposições internacionais: em 2011, no Reina Sofía, em Madri, e no Centro Pompidou, em Paris; e, no ano passado, na Tate Modern, em Londres, e no Whitney Museum, em Nova York. Sem falar na sua produção de estampas para a grife Louis Vuitton.

Veja mais imagens de trabalhos de Kusama no GOOGLE
— Kusama viveu nos EUA de 1957 a 1973, período em que produziu o trabalho pelo qual é mais conhecida — justifica Larratt-Smith. — O público japonês viu pouco ou quase nada disso. E, quando ela voltou ao seu país, decidiu viver numa instituição psiquiátrica. O Japão era, e de certa forma ainda é, um país profundamente patriarcal, em que as mulheres não têm as mesmas liberdades que os homens. É também uma cultura conformista, e o trabalho iconoclasta de Kusama e sua personalidade singular (sem mencionar o fato de que ela discute publicamente sua doença mental) fizeram com que ela não fosse muito compreendida até recentemente.

Hoje, ela vive o auge de sua fama internacional, figurando como a terceira artista mulher que mais ganhou dinheiro com seu trabalho (atrás apenas das americanas Joan Mitchell e Mary Cassatt): ao longo da vida, já faturou cerca de US$ 127,7 milhões. E, embora Kusama fosse pouco conhecida na Argentina, sua recente exposição no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba) comprovou a força de sua arte: durante dois meses e meio, e em pleno inverno, os portenhos fizeram fila ao redor do museu para prestigiar a mostra, que acabou batendo recorde de público.

A “kusamamania”  no Rio

A “kusamamania” que tomou Buenos Aires promete se repetiu no Rio. “Obsessão infinita” apresenta cerca de cem obras, produzidas de 1949 a 2012, incluindo pinturas, trabalhos em papel, esculturas, vídeos, apresentações em slides e, sobretudo, instalações.

Entre os maiores destaques está um de seus trabalhos seminais, o “Campo de falos” — um jardim de falos decorados com bolas vermelhas e brancas numa sala espelhada. Outro destaque é a instalação “Cheia de brilho da vida”, em que as bolinhas aparecem na forma de lâmpadas que se acendem e apagam em cores diferentes. E o público também é chamado a participar da obsessão da artista. Logo na entrada, cada visitante receberá uma cartela de adesivos, todos de bolas coloridas, para decorar outra instalação, a “Sala da obliteração”, originalmente toda em branco.

Ao fim da exposição, 36 telas gigantescas pintadas entre 2012 e 2013 mostram que a artista continua trabalhando com afinco em seu ateliê, dentro da instituição psiquiátrica em que vive.
— Hoje, muitas pessoas generosamente reverenciam minha arte e são tocadas pela minha maneira de viver. Fico feliz que a sociedade tenha evoluído tanto — diz ela.

Desvendar a relação entre loucura e arte desafia cientistas há décadas. Não é preciso ser um grande especialista para notar o número excessivamente alto de artistas das mais diversas áreas que sofrem de algum distúrbio mental. E também o quanto a expressão artística funciona como tratamento para muitos transtornos. Yayoi Kusama encarna os dois lados dessa equação. Seus trabalhos são uma expressão de seu mundo interior, mas também funcionam como uma forma de evitar o suicídio, em suas próprias palavras.

— Eu sou inspirada por todo o universo, pela Humanidade e por ilusões e sonhos que existem dentro de mim — afirma a artista. — Vez por outra, mensagens sobre as mais diversas coisas nascem dos meus conflitos mentais, resultando na criatividade da minha arte. (...) Mas a minha arte é também necessária para que eu lute contra meus sentimentos de morte.

No início do século passado, a psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999) já tinha percebido empiricamente o quanto o trabalho artístico servia como tratamento para seus “clientes” (como ela preferia chamar os pacientes), numa época em que remédios para tais transtornos eram praticamente inexistentes. Mas é preciso cuidado: uma condição não necessariamente deriva da outra. Nem todo “louco” é criativo ou todo criativo é “louco”. As condições, no entanto, podem estar ocasionalmente relacionadas, como a ciência vem procurando demonstrar.

Uma das teses mais aceitas hoje é explicada pelo neurocientista Roberto Lent, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A região do lobo pré-frontal do cérebro (atrás da testa) é responsável por regular a aceitação das regras sociais e a avaliação dos perigos. É ela que alerta para infrações, que impede que nos envolvamos em situação de risco elevado, que faz com que respeitemos as normas legais.

Resumindo, o lobo pré-frontal atua como uma espécie de freio. E, teoricamente, quanto menos freio tivermos, mais criativos seremos. Sem freio, ou, digamos assim, com um freio defeituoso, tendemos a requisitar soluções mais inusitadas de outras áreas do cérebro, deixar fluir ideias inicialmente consideradas “loucas”, “impróprias” ou perigosas demais.

Alterações dessa região do cérebro, portanto, podem levar a decisões de vida mais audaciosas, assim como a comportamentos autodestrutivos, a determinadas patologias (como psicopatia, esquizofrenia e transtorno obsessivo compulsivo) e também a um aumento da criatividade. Ou a várias dessas coisas ao mesmo tempo.

Não é por acaso também que os remédios usados no tratamento de transtornos costumam “embotar” a criatividade, embora devolvam ao paciente uma vida praticamente normal. Ou, nas palavras de Kusama:
— Eu tomo remédios todos os dias, exceto quando estou pintando.

Fonte: O Globo e atualizada por Mol- Margareth on line

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/yayoi-kusama-o-transtorno-artistico-compulsivo-10265467#ixzz3yZvQ8ZLY

Nenhum comentário:

Postar um comentário