sexta-feira, 25 de julho de 2014

Artista desenha princesas da Disney machucadas em campanha contra violência doméstica

Ilustradores usam personagens para estimular as denúncias sobre casos de abuso contra a mulher

Ariel, de "A Pequena Sereia", tem expressão assustada e exibe um olho roxo Foto: Saint Hoax
Ariel, de "A Pequena Sereia", tem expressão assustada e exibe um olho roxo - Saint Hoax
RIO - A fórmula é manjada: ao final de uma longa aventura, a bela princesa tem sua redenção ao ser salva por um heroico príncipe. Tão antigas quanto essas histórias são as trágicas consequências do machismo que assola o mundo. Por isso, alguns artistas têm se empenhado em subverter os contos de fadas, numa espécie de alerta para uma realidade em que o “felizes para sempre” não é regra.

 
Nesta campanha, Saint Hoax critica o abuso sexual - Reprodução / Saint Hoax

Essa foi a ideia de um artista do Oriente Médio que usa o pseudômino Saint Hoax. Ele é especializado em cultura pop e, em duas séries diferentes, colocou princesas da Disney em situações nada encantadas. Na primeira delas, personagens como Ariel, de “A pequena sereia”, e Cinderela são beijadas pelos seus próprios pais. O mote era chamar atenção para o abuso sexual contra crianças. As ilustrações aparecem acompanhadas de informações como “46% de adolescentes e crianças estuprados são vítimas de familiares”.

— Meu objetivo é incentivar as vítimas a denunciarem seus casos para que as autoridades possam impedir que isso aconteça novamente — afirma ele em seu site.
Sobrou também para a mulher de Aladin, Jasmine. - Saint Hoax

 Em outro trabalho de Hoax, as mesmas personagens aparecem com olhos roxos e ferimentos. Desta vez, a proposta é discutir a violência doméstica. Uma criação semelhante também foi realizada pelo artista e ativista italiano aleXsandro Palombo. Em sua versão, as personagens aparecem machucadas, ao lado de seus respectivos príncipes.

— A violência doméstica é um problema tão comum que qualquer pessoa pode ser vítima ou causador. Isso pode estar na rotina até mesmo de casais que parecem normais — comentou Palombo.

Para a diretora-executiva da Associação Mulheres pela Paz, Vera Vieira, trabalhos como esses têm grande valor, justamente porque mexem com um forte símbolo da sociedade machista, a mulher frágil e dependente de seu parceiro, muitas vezes, representada por princesas em contos de fadas:
O italiano aleXsandro Palombo ironiza as aparências - Reprodução / aleXsandro Palombo

— Histórias infantis reforçam os estereótipos sexistas, que perpetuam as desigualdades de gênero, trazendo sérias consequências para toda a sociedade. Além do “felizes para sempre”, mostram a mulher sensível e fragilizada. O homem é sempre o herói e salvador da pátria. Tudo muito diferente da realidade.

Ela lembra que a violência contra a mulher ainda é aceita culturalmente e vem sendo mantida historicamente há milênios. Só no Brasil, a cada quatro minutos uma mulher sofre algum tipo de agressão. Nos últimos dez anos, 43 mil foram assassinadas em crimes de gênero.

— Trabalhos como os desses artistas colocam luz sobre a causa, promovendo a reflexão sobre essa realidade inaceitável — Vera defende.

Tempos de reflexão

Para a pedagoga Schuma Schumaher, coordenadora da campanha “Quem ama abraça — Fazendo escola pelo fim da violência contra as mulheres”, essas criações aparecem num momento em que as pessoas começam a repensar a natureza de alguns contos de fadas. Por isso ela acredita que, apesar de as montagens não serem diretamente voltadas ao público infantil, podem levar os adultos a refletirem sobre o que está por trás de tais livros. Dessa forma, o resultado pode se refletir, indiretamente, na educação das crianças.

— Quem apresenta essas histórias às crianças são os adultos. E acho que, muitas vezes, eles não têm muita consciência e senso crítico para fazer uma análise dos conteúdos — Schuma afirma. — Espero que trabalhos como esses incentivem as empresas a rever suas histórias e estimulem pais e educadores a terem mais cuidado na indicação de livros. Não estamos mais na idade da pedra, mas, sim, num mundo marcado pela busca incessante de relações mais igualitárias.


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