quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O país do jeans ! Inovação, investimento em produção e um produto básico transformado em objeto de desejo: eis a fórmula que colocou fabricantes brasileiros entre os maiores do mundo e que movimenta um setor de R$ 8 bilhões





Sempre vai haver jeans. Eu não me vejo sem um jeans no armário, você se vê?”. Quem faz a pergunta é Ricardo Steinbruch, presidente da Vicunha Têxtil, a maior fabricante mundial de denim, o tecido usado na produção do jeans. Ok, você poderia pensar que ele está puxando brasa para a própria sardinha. E está. Mas o fato é que não dá mesmo para ficar sem uma calça jeans, pelo menos uma. É assim aqui, no Japão, nos EUA, em qualquer lugar. E esse fenômeno de poder ter nas mãos (ou melhor, nas pernas) a única peça de roupa da história que beira a unanimidade entre os consumidores — do caminhoneiro à socialite — está fazendo um bem enorme ao Brasil. Alternando-se no posto ano a ano com China e Turquia, o País já é o maior produtor de denim do mundo, com 25 milhões de metros fabricados por mês. Não à toa, grandes empresas nacionais como Vicunha, Santista e Cedro Cachoeira vêm investindo pesado em inovação, produção e exportação. Junte nessa panela a criatividade dos estilistas locais, a já consagrada sensualidade da moda brasileira, uma boa pitada de empreendedorismo e pronto. Está feita a receita que tornou o Brasil uma referência internacional em jeanswear, movimenta um setor de R$ 8 bilhões por ano e vem gerando fortunas pessoais para gente que começou do zero (leia quadro abaixo).

O ingrediente principal do mercado de jeans é a inovação. Para competir com os preços e modelos de rivais externos, as fabricantes brasileiras do denim se viram do avesso para tornar realidade os pedidos malucos dos estilistas. Na última edição da São Paulo Fashion Week, causaram furor as calças mostradas pelas grifes Cavalera, Zoomp e Ellus. Elas tinham, respectivamente, fios de ouro na trama do tecido, estampas que imitavam couro de crocodilo e jatos de purpurina que davam à peça uma aspecto metalizado. Tudo possível graças à tecnologia de ponta, que ajuda as fabricantes de denim a conquistar inclusive a clientela internacional. As empresas brasileiras têm seus próprios laboratórios de desenvolvimento e pesquisa, de onde saem infinitas variações que transformam o tecido rústico inicialmente usado como lona de caminhão em verdadeiros objetos de desejo.

As duas maiores produtoras de jeans do Brasil, Vicunha e Santista, investem boa parte de seus faturamentos nesses laboratórios. A Vicunha, criadora do jeans com fios de ouro, injetou, nos últimos três anos, R$ 150 milhões em pesquisa e desenvolvimento de novos modelos. “Hoje, não copiamos nada e ninguém. Em jeans, nós damos as cartas. Os outros é que nos copiam”, orgulha-se Steinbruch, cuja companhia faturou R$ 1,9 bilhão em 2004 (50% veio do denim) e investiu 3% disso em pesquisa. A Santista ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de produtores de denim e destina 0,5% de sua receita de R$ 1,1 bilhão à invenção de novos produtos. “Lançamos o primeiro tecido duplo de jeans do mercado, com um forro branco para que o rasgado das calças não deixe a pele à mostra. E agora estamos desenvolvendo um denim anticelulite”, diz Manoel Areias, gerente corporativo de inovação da companhia.
Todo esse empenho deu às empresas do Brasil o status de fornecedoras das grifes mais importantes de jeanswear do mundo: Zara, Calvin Klein, Levi’s, Miss Sixty, Replay, quase todas bebem do denim brasileiro. As grifes tupiniquins se aproveitam de tanta tecnologia na porta de casa e se abastecem da mesma fonte. “Hoje, 95% do denim que uso vem da Vicunha e da Santista”, afirma Renato Kherlakian, dono da pioneira Zoomp, a primeira marca nacional a exportar jeans e que hoje tem lojas até na Indonésia. “Nossa matéria-prima é incomparável, porque os fabricantes estão há anos comprando maquinários modernos.” Mas inovar sem capacidade de produzir seria perda de tempo. Tanto Vicunha quanto Santista têm feito investimentos significativos para aumentar suas capacidades de produção.
A Vicunha faz 12 milhões de metros de denim por mês e acaba de ampliar sua fábrica em Fortaleza para fabricar mais 1 milhão de metros mensalmente. A Santista Têxtil, por sua vez, produz 8,5 milhões de metros por mês e anunciou, na semana passada, que vai aplicar R$ 89 milhões na construção de uma nova unidade de índigo na América Central. Juntando as quase duas dezenas de fabricantes de denim, a produção nacional chega a 300 milhões de metros anuais, dos quais 50 milhões de metros são exportados. Na ponta do lápis, isso dá uma receita de R$ 1,5 bilhão por ano. Pode parecer pouco, mas um metro de denim custa só R$ 6, em média. O que faz o bolo crescer de verdade até atingir os R$ 8 bilhões de faturamento são as peças prontas de jeans. Com modelos que podem custar até R$ 2 mil, as vendas desse mercado ultrapassam os R$ 6 bilhões por ano. O mercado de jeans prontos não pára de crescer no Brasil, desde 2000. Depois de um período de trevas, na década de 90, com a abertura do mercado para a importação, o Brasil passou de uma produção de 155 milhões de peças em 2000 para 204 milhões em 2004, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
A sede dos brasileiros por jeans parece insaciável. Em uma mesma esquina da Oscar Freire, a rua mais chique de São Paulo, você pode visitar uma loja das grifes italianas Diesel ou Replay e da californiana Miss Sixty, algumas das mais badaladas do universo de jeanswear. A segunda loja da Diesel, no shopping Iguatemi, é a unidade da marca que mais vende por metro quadrado no mundo. E olha que o modelo mais procurado lá vale R$ 1,5 mil. “O Brasil tinha uma carência de marcas ‘premium’ de jeans”, diz Marcelo Sebá, diretor de marketing da Diesel no Brasil. Não tem mais. Além das badaladas estrangeiras (algumas delas fabricam em confecções locais), as marcas nacionais também fazem bonito aqui e lá fora. Valorizar o corpo da mulher tem sido um dos maiores trunfos do jeans brasileiro. “Nossas calças são vedetes internacionais porque deixam o bumbum mais empinado. Isto é fato”, garante Kherlakian, da Zoomp. Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Cedro Cachoeira, terceira maior produtora de denim do Brasil e fornecedora de Renner, Riachuelo, Hering e Zara, vai mais longe: “O jeans não tem sucessor”.
Se a demanda pelo jeans vai bem, se as empresas brasileiras estão equipadas e inovam como ninguém e se os estilistas ditam moda ao mundo todo, o cenário do mercado de jeans é a definição de paraíso, certo? Nem tanto. As lamentações sobre a política tributária e as taxas de câmbio vêm de todos os empresários do setor. “É impossível transformar o Brasil em uma plataforma de exportação de denim e jeans. Por isso, estamos estudando investimentos em outros países da América Latina”, afirma Steinbruch, da Vicunha. Não parece que essas dificuldades podem ameaçar o status brasileiro de ícone da moda jeanswear. Pelo menos, por enquanto. Steinbruch já providenciou pontos de distribuição em todos os blocos econômicos para atender mais rapidamente seus clientes internacionais. E acaba de lançar um site em chinês para brigar mais de perto com os concorrentes. Está todo mundo se mexendo. E você, quantos jeans tem no armário? 


COM O BOLSO (DA CALÇA JEANS) CHEIO


Há 20 anos, Marcos Robledo (à esq.) era feirante em São Paulo. Tinha uma barraca de frutas e um Fusca 72. Graças ao jeans, Robledo mudou de vida. Sua Rowers Jeans, uma marca popular com sede no Brás, confecciona incríveis 5 mil calças por dia. São 150 mil por mês, vendidas em mais de 1 mil pontos de venda de norte a sul do Brasil. Preço médio das peças aos atacadistas: R$ 17,5, o que dá ao empresário um faturamento anual de algo em torno de R$ 30 milhões. Homem de poucas palavras, Robledo tem uma teoria interessante sobre o setor: “Hoje em dia, jeans concorre com celular. Se a gente não fizer uma roupa bonita o pessoal prefere pagar a conta do telefone”. Ele diz que viaja o mundo para se inspirar e desenhar suas coleções. Já foi para Itália, China, EUA... Mas gosta mesmo é rodar por aqui e ver seus jeans nas prateleiras brasileiras — de preferência a bordo de seu Mustang 2005 ou de sua Harley Davidson. Exportar? “Não precisa, o mercado interno me basta.”
Quem pensa diferente e fatura alto com vendas externas é o dono da carioca Gang, Alcyr Amorim (à dir.). Seu primeiro negócio foi uma lanchonete em São Paulo. Mas em uma viagem à França conheceu uma mulher que só se vestia de jeans, da cabeça aos pés. Decidiu apostar no denim. Isso foi há 31 anos. De lá para cá, sua marca deu um salto inacreditável. Ao desenhar uma calça que realça as curvas femininas, Amorim ganhou fãs célebres (Britney Spears, Adriane Galisteu, Jennifer Lopez) e o título de produtor do jeans mais sexy do planeta. Com oito lojas na capital do funk, um show room em Miami e araras nas maiores butiques do mundo, a Gang produz cerca de 15 mil peças por mês e fatura R$ 15 milhões. “Estou bem hoje. Moro na Lagoa, bairro nobre do Rio, e invisto em imóveis”, disse Amorim à DINHEIRO direto de Las Vegas. Ele foi até lá para fazer uma fezinha? “Não, detesto jogo. Vim prospectar o mercado para abrir mais showrooms nos EUA.”

Por Flávia tavares

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